Documentos vazados pelo americano Edward Ssnowden, e obtidos pelo Fantástico, mostram que dessa vez o alvo é o Ministério de Minas e Energia. E não são só os Estados Unidos que estão envolvidos. As comunicações de computadores, telefones fixos e celulares do ministério foram mapeadas pela agência de espionagem do Canadá. É o que você vai ver nesta reportagem deSônia Bridi e Glenn Greenwald.
Esplanada dos Ministérios. O centro do poder no Brasil. Um dos prédios é do Ministério de Minas e Energia. No andar térreo, uma sala especial. Os poucos autorizados a entrar se identificam com a digital - para que a porta se abra. Por dentro, um barulhão do ar condicionado potente em espaço pequeno, para preservar as máquinas.
Por elas, passa toda a comunicação do Ministério - telefones, email, internet. E são armazenados arquivos com todas as informações sobre a energia e os recursos minerais do país. A sala, chamada de cofre, tem paredes de aço, e é à prova de desastres.
Não é só proteção física. É a rede mais protegida da Esplanada dos Ministérios. Tem o mesmo sistema de segurança usado pelos bancos, por exemplo. Foi mapeada pelos espiões com um nível de detalhe surpreendente.
O Ministério de Minas e Energia está na mira dos espiões americanos e também canadenses.
O Fantástico teve acesso exclusivo a mais um documento vazado por Edward Snowden, o ex-analista de inteligência contratado da NSA, a Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos. Hoje ele está asilado na Rússia.
Esse documento só foi localizado na semana passada. Estava com milhares de outros, entregues em junho, em Hong Kong, por Snowden ao jornalista americano Glenn Greenwald, coautor desta reportagem.
“A quantidade de documentos são bem altos. Tem milhares dos documentos. Os documentos são muito complexos, demora tempo para ler esses documentos, entender, para conectar todos os documentos”, Glenn Greenwald.
Nos últimas dez dias, nós analisamos e checamos o documento, com a ajuda de especialistas em segurança da informação.
O material mostrado na reportagem é a apresentação de como funciona uma ferramenta de espionagem da Agência Canadense de Segurança em comunicação, a CSEC. O alvo é o Ministério de Minas e Energia do Brasil. A apresentação foi em junho de 2012 numa reunião anual de analistas ligados a agências de espionagem de cinco países.
O grupo é chamado de Five Eyes- cinco olhos - Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Edward Snowden estava nessa conferência.
“Eles estão dividindo todos os documentos, dando todos os documentos para avisar outros países tudo que eles estão fazendo”, afirma Glenn Greenwald.
Um programa de computador chamado Olympia dá o passo a passo de como foram mapeadas as comunicações telefônicas e de computador do Ministério, incluindo emails. O título de um slide revela a intenção da agência canadense: descobrir os contatos do meu alvo - que é o Ministério de Minas e Energia.
O resultado desse monitoramento é um mapa detalhado das comunicações do Ministério durante um período não especificado pelo documento.
Ligações telefônicas feitas do Ministério para outros países foram usadas como exemplo. No Equador, os números chamados com mais frequência são da Olade, a Organização Latino-Americana de Energia. No Peru, o número chamado é o da embaixada do Brasil.
Via internet, a agência canadense acessou a comunicação entre os computadores do Ministério e computadores de países do Oriente Médio, da África do Sul e até o próprio Canadá.
“Eu fiquei assombrado com o potencial, o poderio das ferramentas utilizadas. O Ministério de Minas e Energia foi totalmente dissecado”, afirma Paulo Pagliusi, especialista em segurança da informação.
“O Ministério das Minas e Energia foi totalmente dissecado"
Paulo Pagliusi, especialista em segurança da informação.
A ferramenta identificou números de celulares, registro dos chips e até marcas e modelos dos aparelhos. Descobrimos que um deles é usado pelo departamento internacional do Ministério.
Também por telefone, localizamos o outro usuário: o ex-embaixador do Brasil no Canadá, hoje no departamento de Oriente Médio do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Paulo Cordeiro. Procurado pelo Fantástico, ele não quis dar entrevista.
Na sexta-feira, em Brasília, o ministro Edison Lobão comentou o conteúdo da reportagem.
“Eu acho que configura um fato grave que merece repúdio. Aliás, a presidenta Dilma já o fez amplamente na ONU”, afirma Edison Lobão, ministro das Minas e Energia.
“As tecnologias de telecomunicação e informação não podem ser o novo campo de batalha entre os estados”, discurso a presidente Dilma Rousseff em 24 de setembro, 2013.
A própria presidente Dilma e a Petrobras, empresa ligada ao Ministério, também foram alvo da espionagem americana, como o Fantástico mostrou com exclusividade.
E ambos podem ter sido espionados indiretamente com o acesso aos servidores do Ministério.
Os servidores são o cérebro de uma rede de computadores.
Alguns desses servidores são as chamadas redes privadas criptografadas. Significa que estão protegidas por uma série de códigos. Um dos servidores, por exemplo, é usado pelo Ministro para falar com a Agência Nacional de Petróleo, a Petrobras, a Eletrobras e até com a presidente da República. São conversas de Estado, com estratégias de governo. Que ninguém deveria poder escutar.
“Não apenas com a autoridade superior do país, mas nós temos conversado com outras autoridades pelo sistema de videoconferência. Isso nós fazemos até por mobilidade do sistema. Lamento que tudo esteja sendo exposto a este tipo de espionagem”, afirma o ministro Edison Lobão.
De cada quatro grandes empresas de mineração do mundo, três têm sede no Canadá.
“O Canadá tem interesse no Brasil, sobretudo nesse setor mineral. Se daí vai o interesse em espionagem pra servir empresarialmente a determinados grupos, eu não posso dizer”, diz o ministro Edison Lobão.
As principais informações sobre reservas minerais brasileiras são públicas, não é preciso espionar para ter acesso. Mas a estrutura do Ministério guarda informações estratégicas. Além da Petrobras, estão ligadas ao Ministério de Minas e Energia a Eletrobras, a empresa de pesquisa energética, Agência Nacional de Petróleo, que faz os leilões de campos de exploração do pré-sal e a Agência Nacional de Energia Elétrica, que regula os leilões de construção de usinas.
“E as informações podem servir a empresas que concorram nesses leilões. Eu acho isso gravíssimo. Ela sabe o que vai acontecer antecipadamente. Isso é um jogo de bilhões de dólares, coisa pouca, não”, afirma o ex-presidente da Eletrobras Luiz Pinguelli Rosa.
“É muito claro que o objetivo é econômico. Como o Snowden me disse na entrevista que eu fiz com ele três meses atrás em Hong Kong”, completa Glenn Greenwald.
Não há, nos documentos, nenhuma indicação de que o conteúdo das comunicações tenha sido acessado, só quem falou com quem, quando, onde e como. Mas quem assina a apresentação secreta termina dizendo o que deve ser feito daqui pra frente: entre as ações sugeridas, uma operação conjunta com um setor da NSA americana, o Tao, que é a Tropa de Elite dos espiões cibernéticos.
Objetivo: realizar uma invasão conhecida como ‘Man on the side’ - o homem ao lado. Com ela, toda a comunicação que entra e sai da rede pode ser copiada. É como trabalhar no computador com alguém ao lado, bisbilhotando. Daí o nome da invasão.
Edison Lobão: Nós estamos diante, evidentemente, de um sistema de espionagem internacional.
Fantástico: Que tipo de prejuízo o Brasil pode ter com isso, além do próprio prejuízo de quebra da soberania e dos direitos individuais?
Edison Lobão: Isso não foi avaliado ainda. Isso é uma questão que, ao longo do tempo, virá à tona.
Procurada pelo Fantástico, a embaixada do Canadá em Brasília disse que não comenta assuntos de inteligência e segurança.
Em nota, a Agência Nacional de Segurança dos EUA afirma que não vai comentar publicamente supostas atividades de inteligência e que o tipo de informação que os Estados Unidos coletam no exterior é o mesmo obtido por todos os países.
A nota diz também que os Estados Unidos estão revisando os meios de obter inteligência, pra equilibrar privacidade e segurança dos cidadãos americanos e aliados.
Já a agência canadenses CSEC disse que não comenta as atividades de inteligência no exterior.
Outros documentos da espionagem
Esta imagem abaixo é a primeira página da apresentação feita em junho de 2012 por um analista da agência CSEC - em tradução literal, Estabelecimento de Segurança das Comunicações do Canadá.
Em seu site, a agência explica sua finalidade: “o CSEC recolhe sinais de comunicações estrangeiras originados e encerrados no exterior.”
Como o programa apresentado se chama Olympia, o PowerPoint se inicia com uma epígrafe (tradução livre): “e eles disseram aos titãs: cuidado, os Olímpicos chegaram”. É uma alusão à batalha entre os Titãs e os deuses gregos, narrada por Hesíodo em “Teogonia”.
Neste slide abaixo, a introdução ao tema da apresentação: o programa Olympia e um estudo de caso. A Ferramenta de Conhecimento de Rede do CSEC, Várias Fontes de Informação, Enriquecimentos Encadeados, Análise Automatizada. Ministério das Minas e Energia (MME). Um novo alvo a ser desenvolvido. Acesso limitado. Conhecimento de alvo.
As perguntas que a apresentação procura responder:
“Como posso usar a informação disponível em fontes de dados de inteligência de sinais para aprender sobre o alvo?”
“O que posso encontrar que me ajude a informar os esforços de desenvolvimento de acesso?”
“Posso automatizar o processo analítico e/ou reutilizar análises criadas para outros fins?”
A sigla SIGINT é, literalmente, Inteligência de Sinais, um modo de designar interceptação de informações.
Aqui, diagramas mostram como se identificam os “celulares do alvo”. No pé do slide, aparecem dois números de Brasília e a numeração dos respectivos chips.
Neste slide, o fluxo que apresenta o processo que determina “os IPs com os quais meu alvo se comunica”.
O slide seguinte contém uma tabela que mostra o resultado da busca dos IPs. São provedores de países como Tailândia, Jordânia, Irã, Arábia Saudita e Canadá.
Na conclusão, o responsável pela apresentação afirma: “Identifiquei os servidores de correio que foram alvo de coleta passiva pelos analistas de Inteligência, que estão avaliando o valor, a origem etc do tráfego gerado pelos servidores de correio”.
As demais linhas informam que à época (junho de 2012) a agência trabalhava para avaliar uma possível operação de observação passiva (Man on the Side operation), o que dá a entender se tratar de uma vigilância sem interferência, e para aprofundar as análises sobre o Ministério, com base na informação de rede obtida.