quinta-feira, 26 de março de 2009

Para não fazer nada, melhor não ir (Carlos Chagas)

BRASÍLIA – Por maior admiração e boa vontade que a gente dedique ao presidente Barack Obama, mesmo dando de ombros para a defesa que ele faz do protecionismo, fica difícil evitar a pergunta: de onde sairão o trilhão e quinhentos bilhões de dólares a ser injetados na economia americana? Porque no cofre não estavam, muito menos guardados em Bagdá, pelas tropas estacionadas no Iraque. O anúncio dessa nova megainjeção de verdinhas na economia dos Estados Unidos poderá minorar as agruras lá em cima, mas para algum lugar a conta da impressão em massa será enviada. Faz muito que o dólar desligou-se unilateralmente do padrão-ouro, inundando o planeta conforme a vontade e as necessidades de quem ocupasse a Casa Branca.

Agora, porém, estouraram todos os limites, depois de outros dois trilhões já distribuídos desde outubro do ano passado a bancos, empresas falidas e sucedâneos. Desta vez será para suprir o rompo nas hipotecas não saldadas, como amanhã poderá ser para colocar dentes postiços nos gatos cegos de Nova York. Ou para aumentar o potencial bélico dos “marines” em vilegiatura pelos cinco continentes.

A única reação de vulto partiu da China, por sinal o maior credor dos americanos e de seus títulos. Pretende o governo de Pequim alterar o padrão, substituindo o dólar por uma nova moeda indefinida, isso depois do fracasso da tentativa de Saddam Hussein de trocar dólares por euros nos negócios de petróleo. Deu no que deu, ou seja, na forca para o indigitado ditador e na garantia do controle da produção do Oriente Médio por Wall Street, Dallas e adjacências.

É bom tomarmos cuidado, pois sairá de onde sempre saiu, esse novo fluxo da riqueza destinada a salvar a superpotência única: dos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos.

Às vésperas da reunião do G-20, quem ousará protestar diante de mais essa iniciativa isolada da raposa para estabelecer-se no galinheiro. O presidente Lula estará sendo alertado para a importância de estrilar, única alternativa posta a nosso dispor desde 2003, quando, pela primeira vez, despertou sorrisos de condescendência ao pregar três refeições diárias para a Humanidade. Aliás, o tal Fome-Zero foi para o espaço sem que se tomasse conhecimento de sua trajetória final.

Ou os países pobres aproveitam o mote para reagir ou, mais uma vez, seremos os financiadores da incúria alheia. E olhem que para a América Latina, a África, a Ásia e penduricalhos pode ser o sinal da débâcle definitiva. Se é para não fazer nada eficaz, melhor faria o presidente Lula se continuasse a passear com dona Dilma pelos limites do território nacional...

O escândalo-rei

Maior do que o mensalão, superior ao assalto aos postos-chave da administração federal, acima e além da impunidade que beneficia os ladrões do sistema financeiro, abre-se rara oportunidade para a aferição dos limites do maior escândalo perpetrado no País desde a adoção do neoliberalismo como cartilha nacional. A partir de revelações do que acontece no Senado, seria o caso de estender para o Executivo e o Judiciário a devassa no que se chama hoje de terceirização. Importa menos saber como começou. Parece que foi nos estertores do regime militar, mas a partir do governo Fernando Henrique é que as coisas desandaram. Quadrilhas se formaram para substituir o poder público, sob o pretexto da eficiência e da abertura de mais postos de trabalho, mas, com as raras exceções de sempre, os serviços pioraram e a roubalheira multiplicou-se. Além de pagarem muito mal, quando pagam, à legião de terceirizados sem a menor garantia de estabilidade.

Deviam ficar calados

Virou moda, de umas semanas para cá, sociólogos, cientistas políticos e sucedâneos virem a público para protestar contra a ação da polícia no combate ao crime organizado. Do que mais se ouve falar é da necessidade da mudança de estratégia. Não mais subir morros nem cercar periferias atrás de narcotraficantes, contrabandistas, sequestradores e assaltantes. Essas iniciativas, para os doutos, tiram a tranquilidade das populações e com frequência as balas perdidas sacrificam inocentes. Melhor seria que a polícia refluísse e deixasse os territórios cada vez mais amplos à mercê dos bandidos, porque eles, afinal, só querem paz para traficar...

A gente fica pensando se essa fauna de obtusos não estaria a serviço do crime organizado. Porque mesmo com os lamentáveis excessos dos confrontos, se o poder público abrir mão de suas obrigações melhor será entregar logo o governo às quadrilhas, deixando que os chefões disputem a prevalência. Que passem a gerir o arcabouço policial e as próprias Forças Armadas, garantindo a paz e a tranquilidade mediante módicas contribuições de segurança... E, é claro, liberdade para difundir o uso da droga.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Lula pretende se transformar em interlocutor dos EUA representando a América Latina

El País
Editorial do El País
Eles se conheceram por telefone quando Barack Obama acabava de ser eleito presidente dos EUA, e contam que na conversa, que durou 25 minutos, decidiram tratar-se informalmente. Eu Barack, você Lula. E no último fim de semana o presidente brasileiro foi o primeiro líder latino-americano recebido na Casa Branca por um presidente em exercício, em meio a jubilosas e mútuas declarações sobre a aliança estratégica entre os dois colossos do continente americano.

Chegar entre os primeiros a um encontro com um presidente dos EUA debutante é como uma condecoração. Para manter equilíbrios, no entanto, o presidente mexicano, Felipe Calderón, havia de certo modo se antecipado a Lula, ao visitar Obama quando este ainda não tinha assumido o cargo; e o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, não teria suportado não ser o primeiro europeu a cumprimentar o líder democrata, como parece que manda a reiterada "relação especial" entre Washington e Londres.

E, sim, entre os EUA de Obama e o Brasil de Lula podem se estabelecer o cimento de uma aliança estratégica, mas não porque faltem empecilhos. Lula já tinha boa relação com o antecessor de Obama, o republicano conservador George W. Bush, baseada em que o esquerdismo moderado do brasileiro contrastava positivamente com o modelo do venezuelano Hugo Chávez. Mas esse era o limite. O grande projeto de Brasília, a construção de uma América Latina sem os EUA como poder tutelar, e na qual o "primeiro entre iguais" fosse ela mesma, não pode deixar indiferente nenhum titular do Salão Oval.

E nesse processo Lula precisa que Washington deponha pelo menos em parte sua oposição a Chávez e ao presidente boliviano, Evo Morales, para o que é verdade que ambos poderiam contribuir usando com maior prudência a palavra; mas sobretudo que Obama admita o pleno reingresso de Cuba nos assuntos públicos e diplomáticos do hemisfério. Obama foi muito cauteloso, adiantando que haveria diálogo e suavização do embargo, mas não se trata da absoluta normalização política com o regime castrista.

E o mundo não pode senão se felicitar por tudo isso. Cuba é um assunto que compete aos cubanos, e a tensão gerada pela guerra de Bush contra o terror mais estimulava que aplacava a violência. Obama aponta para algo muito diferente.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

sábado, 14 de março de 2009

Eliane Cantanhêde relata preparativos do encontro entre Lula e Obama; assista

da Folha Online

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá a Washington no sábado (14), onde se reunirá pela primeira vez com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. No encontro, serão discutidos temas como biocombustíveis, crise financeira e a reunião do G20 (grupo que reúne os países mais ricos e os principais emergentes).

Neste videocast, Eliane Cantanhêde, colunista da Folha e da Folha Online, fala sobre a postura que o líder brasileiro deverá adotar diante da maior economia do mundo. "Lula não quer chegar lá apenas como um a mais. Ele quer chegar com uma agenda firme. Quer colocar o Brasil em uma posição de liderança pelo menos regional."

Para Eliane, Lula deverá insistir, durante o encontro, para que os Estados Unidos abram mais as relações com Cuba. Além disso, os presidentes provavelmente discutam os efeitos da crise financeira global e a próxima reunião do G20, marcada para o dia 2 de abril, em Londres.

O presidente brasileiro insistirá também em mudanças nos organismos internacionais, como a ONU (Organização das Nações Unidas), o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial.

"Até agora, eles, embalados e financiados pelos Estados Unidos, têm dado as cartas para todo o resto do mundo. Lula e o presidente da França [Nicolas Sarkozy] querem inverter isso. Querem que esses organismos tenham mais participação e mais voto dos emergentes, para que também fiscalizem os países ricos. Eles, os ricos, são os que estão na berlinda agora", explica colunista.


http://www1.folha.uol.com.br/folha/videocasts/ult10038u532549.shtml