segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Primeira Guerra ajudou a desenhar ordem mundial na qual EUA lideram

MÁRCIA SOMAN MORAES
da Folha Online

Há exatos 90 anos, a Alemanha assinou armistício proposto pelas nações vencedoras e pôs fim a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), conflito que deixou mais de dez milhões de mortos, destruiu a economia européia e colocou os Estados Unidos na liderança do cenário global, posição que ocupam ainda atualmente.

"A Primeira Guerra é um momento no qual os países europeus percebem, pela primeira vez, que seu império está chegando ao fim. Foi um momento-chave para toda a Europa, o começo do fim e a troca do eixo de poder do Velho Continente para os EUA", diz Christopher Capozzola, professor de história do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e autor do livro "Uncle Sam Wants You: World War I and the Making of the Modern American Citizen" ("Tio Sam Quer Você: Primeira Guerra Mundial e a Construção do Cidadão Americano Moderno").

E justamente os EUA, que hesitaram em entrar na guerra sob a forte influência do seu isolacionismo, foram os grandes vencedores do conflito. "A Primeira Guerra é o que realmente confirma os EUA como um poder mundial, um país que guia relações internacionais e tem papel central no mundo pelo resto do século 20 e até hoje", continua o professor.

Contudo, as mudanças que ocorreram na ordem mundial --o fortalecimento dos americanos na liderança global e a destruição dos impérios europeus-- não podem ser avaliados somente como conseqüências da Primeira Guerra.

Segundo o historiador Antônio Totta, da PUC (Pontifícia Universidade Católica), em São Paulo, o crescimento dos EUA é resultado de um processo de disputa de poder na Europa que começa na Primeira Guerra, mas que terá seu fim somente em 1945, com o término da Segunda Guerra e o novo colapso das nações européias.

"Na verdade, é tudo uma coisa só, as duas são guerras européias que ganharam proporção mundial. E, mesmo com 30 anos de distância, a Segunda Guerra Mundial é em vários aspectos a continuação da Primeira Guerra", diz Totta.

Uma nova guerra

Os países europeus anunciaram o primeiro conflito mundial como a guerra que acabaria com todas as guerras, porém o fato é que, como apontam os professores, ele criou o contexto de colapso econômico e extremismo político que levou à Segunda Guerra.

"A polarização política foi resultado de um cenário caótico, de colapso econômico e desesperança", disse Capozzola. "Isso se torna um ciclo de várias formas. Eu acredito, como a maioria dos historiadores, que se as condições econômicas estivessem melhores na Europa, na época, talvez a Segunda [Guerra] não tivesse acontecido."

Para Totta, fica difícil imaginar a Revolução Russa de 1917 --que derrubou o regime czarista-- e o nazismo alemão sem a Primeira Guerra. "A guerra demonstra a falência do Exército russo czarista e abre oportunidade para o crescimento da proposta socialista", disse o historiador.

Já na Alemanha, o fracasso do Tratado de Versalhes --que estabeleceu os termos do fim da guerra-- em reconstruir o país combinado à crise econômica permitiu o crescimento do regime extremista de Adolf Hitler. "Os vencedores proibiram a entrada da Alemanha na discussão sobre o Tratado e impuseram a ela uma perda territorial que deixou cinco ou seis milhões de alemães morando em países estrangeiros", afirmou.

Foi o caminho para o surgimento do extremismo de direita não só na Alemanha, como na Itália, outro país da perdedora Tríplice Aliança, formada ainda pelo Império Austro-Húngaro.

Caminho para a paz

O fracasso em estabelecer a paz não foi apenas do Tratado de Versalhes, mas da Liga das Nações, primeira entidade diplomática global que anos mais tarde inspiraria a ONU (Organização das Nações Unidas).

Criada no fim da Primeira Guerra para evitar um novo conflito e a morte de milhões, a Liga reuniu as forças vencedoras --a Tríplice Entente formada por França, Inglaterra e Rússia-- mas foi boicotada pelos EUA e não conseguiu abrir diálogo entre os históricos rivais ainda mais ressentidos pelas perdas do primeiro confronto.

"Os americanos saíram da Primeira Guerra sem estarem convencidos de que era importante o trabalho pesado que a paz internacional exige. Embora o presidente Woodrow Wilson fosse um grande pacifista, o Congresso o traiu e não aceitou a entrada do país na Liga", disse o conselheiro Eugênio Vargas Garcia, professor do Instituto Rio Branco.

Sem força diplomática para evitar o novo conflito mundial, a Liga simplesmente deixou de atuar até que foi encerrada depois da Segunda Guerra. "A Liga foi uma das principais conseqüências da Primeira Guerra e, embora tenha fracassado, foi o embrião da criação da ONU e de um novo tempo da diplomacia global", ressalva Garcia

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